A peste em Veneza e a origem do termo quarentena

A peste assolou Veneza por quase 80 vezes entre o ano de 954 e 1793. Alguns episódios foram mais marcantes dizimando a cidade e matando parte da população, em outras ocasiões a repercussão foi um pouco mais leve. Mas por que a peste sempre fez parte da história da cidade, inclusive dando origem ao termo quarentena?

A Sereníssima por séculos manteve seu título de rainha dos mares graças a um intenso movimento de navios que transportavam mercadorias de diversas partes do mundo até seu território.Entre os imprevistos da navegação estavam problemas mecânicos, ataques de piratas e a temida peste, que se dissipava de forma rápida e ameaçadora. Assim, a  República teve que criar então as leis sanitárias e muitas regras para se proteger. 

Origem do termo quarentena

A mais importante delas consistia em isolar por 40 dias marinheiros e cargas suspeitas de contaminação. Era a famosa contumacia que em veneziano era chamada de quarantina, assumindo o nome de quarantena. Sim, o nome quarentena foi criado em Veneza.

O isolamento era feito nos lazzaretto, também um termo veneziano. O primeiro lazzaretto foi construído no ano de 1423 em uma ilha que abrigava a igreja  Santa Maria de Nazareth, daí o nome. Mas algumas fontes atribuem a denominação a São Lazaro,  que era o protetor dos leprosos.

Existia ainda outra preocupação. A construção dos lazzaretti, ou seja os locais de isolamento, devia ser estratégica. Porque temia-se pela vida humana, mas também pelas mercadorias. Se o isolamento fosse feito em um local perigoso e com risco de furto pelos piratas era um grande problema, assim  Veneza construiu seus lazzaretti em locais estratégicos.

 

Os cuidados e estratégias

A autoridade responsável pelo sistema de saúde de Veneza distribuía um aviso sobre os navios contaminados, as escalas que haviam feito, onde estavam parados para o isolamento e quanto tempo ficariam. Esta era mais uma medida de proteção.

Alguns navios contaminados eram levados aos portos que possuíam operações de expurgo para serem desinfetados e os marinheiros que topavam conduzir os navios contaminados eram muito bem pagos, pois poderiam facilmente contrair a peste e morrerem, o que acontecia muitas vezes.

O Médico da Peste

Para atender os doentes contaminados pela peste, e médicos se paramentavam em um modo singular. Vestiam uma túnica preta longa até os pés e uma máscara com um bico pontudo onde inseriram ervas aromáticas que poderiam ser flores secas, timo, mirra, âmbar, lavanda, folhas de hortelã, cânfora, alho, cravos e buchas molhadas com azeite, que funcionavam com um filtro. Consigo carregavam uma espécie de bastão para que pudessem levantar as roupas dos doentes sem a necessidade de tocá-los. Hoje esta máscara é muito presente na cidade e é conhecida como Médico da Peste.

As pestes mais famosas

Dois episódios de peste ficaram muito marcados na história veneziana, por sua dimensão avassaladora e tantas mortes que causaram. Uma delas chegou na cidade em 1575 e fez muitas vítimas. Em dois anos foram cerca 50.000 mortos, quase 1 a cada três venezianos. Em 1576 o governo pediu ajuda divina com o projeto de construção de uma igreja na Ilha da Giudecca. A igreja do Redentor foi projetada pelo arquiteto Andrea Palladio. A pedra fundamental foi colocada em maio de 1577 e dois meses depois, em julho, a cidade estava livre.

A outra ocasião em que a peste fez um enorme estrago na cidade foi no século XVII, em 1630. Foi um momento terrível para a Sereníssima. Os nobres se refugiavam em suas casas de campo, as famosas vilas, enquanto a população definhava pelas ruas. A peste acabou vitimando 47 mil pessoas, mais de 1/4 da população.

Em 22 de outubro de 1630, o doge Nicolò Contarini prometeu publicamente erguer uma igreja dedicada à Nossa Senhora da Saúde, pedindo sua intercessão para acabar com a peste.  A Basílica Santa Maria da Saúde começou a ser construída no ano seguinte e finalizada em 1687.

Além das igrejas existiam os santos protetores contra a peste, o mais famoso São Roque. Tintoretto retratou algumas cenas da vida do santo, entre elas a tela São Roque cura os doentes contaminados pela peste em 1559. 

E por falar em artistas nem estes gênios foram perdoados pela peste. O grande Giorgione morreu no outono de 1510 provavelmente na ilha do Lazzaretto nuovo durante uma epidemia de peste. A mesma sorte teve Tiziano Vecellio, que morreu em 1576 durante o surto de peste que deu origem à igreja do Redentor.