O histórico show do Pink Floyd em Veneza

Trinta anos se passaram de uma inesquecível noite que animou a Festa do Redentor, tradicional manifestação religiosa que ocorre em Veneza há mais de 400 anos. Em 15 de julho de 1989, aconteceu um dos espetáculos mais grandiosos que os venezianos presenciaram, o histórico show do Pink Floyd na laguna de Veneza.

O evento, de proporções impensáveis para os dias de hoje, deixou marcas na cidade. Quem teve o grande privilégio de estar presente garante que foi uma emoção indescritível. Mas a experiência única trouxe consigo uma série de problemáticas e polêmicas que Veneza ainda hoje comenta.

A escolha de Veneza e o Redentor

A lendária banda sempre foi conhecida por escolher locais prestigiosos e especiais para a realização de seus concertos. Quem não se lembra da performance que eles fizeram em 1971 em Pompeia? A turnê italiana de 1989 contou com a organização do produtor Fran Tomaso. Por que não fechar as apresentações da banda no dia do Redentor com um mega show?

Para quem não conhece este capítulo da história de Veneza, a Festa do Redentor comemora o final, em 1577, de um grande surto de peste que a cidade viveu. Com a população dizimada, o doge faz uma promessa declarando que ao final do flagelo a cada ano se faria uma procissão que seguiria até a igreja do Redentor, projetada por Andrea Palladio e construída após a peste. Desde então, a festa acontece todos os anos, no segundo ou terceiro sábado de julho.

Pois em 1989, a festa foi celebrada junto ao mega show do Pink Floyd. Se pensarmos bem, nada completamente inédito, já que no século XVIII, era comum que músicos se exibissem em pequenas embarcações durante o Redentor. Claramente em outro contexto e dimensão.

Os integrantes do Pink Floyd aceitaram a ideia com entusiasmo, a apresentação seria gratuita para o público e eles aceitaram inclusive bancar uma parte da ideia do próprio bolso.

O dia do show

Não foi nada simples montar uma estrutura flutuante em plena laguna. Tão pouco toda a logística ligada a uma operação deste tipo. Para montar o palco foi necessária uma operação realizada por mergulhadores que estabilizaram a estrutura e ligaram cabos elétricos a alguns metros de profundidade.

Todo o trânsito da cidade, prevalentemente na água, teve de ser completamente desviado, isso significa uma pausa considerável no abastecimento da cidade. Era um evento tão especial, que a rede de TV italiana RAI transmitiu o concerto ao vivo para milhares de telespectadores.

Conforme relatam alguns jornais da época, ás 8 da manhã do dia do show, 50 mil pessoas já estavam praticamente acampadas na Praça São Marcos. Às 17, ela foi fechada, não entrava  mais ninguém e quem saísse não podia mais voltar. O público total foi de 200 mil pessoas e o show durou 90 minutos. A decisão de limitar o número de decibéis fez com que o espetáculo perdesse muito em termos de qualidade, as pessoas não conseguiam escutar claramente as músicas.

Enquanto muitos fãs estavam completamente eufóricos com o show, uma parte dos venezianos e da administração da cidade protestaram fortemente contra sua realização. E torceram contra ao ponto de contribuir para a criação de grandes problemas que também marcaram o evento.

Polêmica e o day after

A cidade não foi preparada suficientemente para a realização de um show dessa dimensão. Não foram montadas estruturas de segurança, cercas e o caos se instaurou durante, mas principalmente após o show.

Os responsáveis pela limpeza não permitiram a instalação de banheiros químicos e não seguiram as instruções de limpar completamente a praça imediatamente após o fim do show.  Todo o lixo acumulado de 200 mil pessoas foi deixado propositalmente até a segunda-feira de manhã, em um absurdo e inexplicável protesto de alguns dirigentes públicos.

Os arredores de Praça São Marcos e os canais ficaram completamente cobertos de todo tipo de lixo, garrafas, copos, plástico. A falta dos banheiros públicos e estruturas químicas fez com que a cidade se tornasse uma latrina a céu aberto. No dia seguinte a imprensa não fazia outra coisa a não ser mostrar a situação degradante da cidade que é Patrimônio UNESCO da Humanidade.

Ainda hoje, passados 30 anos, a data é relembrada pelos dois pontos de vista. De um lado, toda a emoção de um concerto de uma das maiores bandas de todos os tempos, em uma das cidades mais belas e improváveis do mundo. Do outro, a incivilidade, o abandono e o degrado, incentivados indiretamente pela política e suas ideologias.