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Onde ver as obras de Carlo Scarpa em Veneza e no Vêneto

Carlo Scarpa (1906-1978) foi um renomado arquiteto e designer italiano conhecido por suas contribuições significativas à arquitetura moderna e seu trabalho minucioso com materiais e detalhes. Embora tenha trabalhado em várias cidades italianas, seu relacionamento mais duradouro foi com Veneza, onde deixou um legado notável de projetos arquitetônicos. Ele é considerado um dos maiores arquitetos italianos do século XX.

Scarpa nasceu em Veneza e estudou arquitetura no Instituto de Arquitetura da Academia de Belas Artes de Veneza. Sua compreensão profunda da história e da estética da cidade moldou sua abordagem arquitetônica. Suas primeiras experiências foram como assistente universitário ensinando e também nas vidraçarias de Murano, o que traria como bagagem para seu futuro como arquiteto.  Scarpa acreditava na ideia de “restauração crítica”, que envolve a conservação e preservação cuidadosa do patrimônio histórico, ao mesmo tempo em que introduz elementos contemporâneos de design.

A sua experiência como arquiteto se baseou em princípios considerados por ele importantes. Fundamentalmente os projetos deveriam se basear a uma reflexão visual, ou seja, o desenho era algo muito relevante. Ele se interessava principalmente pela organização dos espaços de mostras e museus e pelo restauro de palácios e novas obras em contextos mais antigos. Algumas de suas obras mais famosas são o restauro do palácio que abriga a sede da Universidade Ca’ Foscari, às margens do Canal Grande e o Museu de Castelvecchio, em Verona.

Sede da Universidade Ca’ Foscari

Fonte: Universidade Ca’Foscari

A sede da Universidade Ca’ Foscari fica em um palácio veneziano edificado em 1452 pelo doge Francesco Foscari. Scarpa foi encarregado de reformar o edifício em 1935. Sua abordagem para o projeto foi de respeito pela história e pelos elementos originais do palácio, enquanto introduzia intervenções contemporâneas que destacassem a beleza e a singularidade do espaço.

No salão nobre do palácio, ele idealizou a Aula Magna. O ambiente é uma obra-prima que atrai arquitetos do mundo inteiro, interessados em estudar a relação respeitosa que Scarpa imprimiu na renovação do espaço. A sala é decorada com grandes pinturas e uma impressionante plataforma de madeira com blocos que deslizam. A grande janela gótica, típica dos palácios venezianos foi emoldurada por uma estrutura de madeira elaborada por Scarpa. A sala é utilizada para eventos solenes. Quando recebi meu título da Ca’ Foscari, pelo master que frequentei, em 2014, o evento foi realizado neste salão.

A habilidade de Carlo Scarpa de equilibrar o passado e o presente, combinando o respeito pela tradição com intervenções contemporâneas, é evidente em seu trabalho no Ca’ Foscari. Sua sensibilidade para com o contexto histórico e sua maestria na manipulação dos espaços arquitetônicos fizeram dele um arquiteto muito admirado e respeitado.

Olivetti

Em 1958, Adriano Olivetti, proprietário da histórica empresa que produzia máquinas de escrever e produtos para escritórios encomendou a Carlo Scarpa um projeto para uma loja na Praça São Marcos, um dos cartões postais mais importantes e icônicos do mundo. A ideia era criar um espaço não exatamente para a comercialização das máquinas, mas uma espécie de cartão de visitas da marca, uma loja que representasse o conceito da Olivetti, o que hoje chamaríamos de flagstore.

Carlo Scarpa era conhecido por sua abordagem detalhista e meticulosa, e aplicou esses princípios à loja Olivetti. O objetivo do arquiteto era criar um espaço que transmitisse a identidade e os valores da empresa, e fosse, ao mesmo tempo harmônico com a história e a estética de Veneza.

Tendo a disposição um espaço reduzido – a loja fica no térreo do edifício da Procuradoria Velha – Scarpa investiu na composição de espaços que dessem uma sensação de abertura e transparência.  A genialidade de Carlo Scarpa, muito visível neste projeto, é a utilização de materiais diferentes – mármore, vidro de Murano, cobre e concreto – com uma interação elegante entre si. A escada que leva até o mezanino parece suspensa no ar e divide o espaço com a escultura de Alberto Viani na sala principal. A loja Olivetti é um grande exemplo de equilíbrio entre funcionalidade e elegância, um pilar nas obras de Scarpa.

IUAV – Escola Superior de Arquitetura de Veneza

Fonte: Wikipedia

Em 1933, Carlo Scarpa torna-se professor da recém formada Escola Superior de Arquitetura de Veneza. Anos depois, por volta de 1967, o arquiteto começa a apresentar algumas soluções para a reordenação do espaço onde se encontrava, o complexo dos Tolentini. O edifício onde se encontra a sede da universidade compreende o antigo convento de uma igreja do século XVI. Scarpa trabalhou no projeto do portão de entrada do espaço, a concepção durou cerca de dez anos e a realização acontece somente depois de sua morte, em 1978.

O portal de ingresso da universidade convida a refletir sobre como Veneza é uma cidade adaptável. Scarpa moderniza um contexto cinquecentista utilizando ferro, concreto com formas retangulares e sinuosas e pedra de Istria, material presente em Veneza desde sua fundação.

Fundação Angelo Masieri

Fonte: Fundação Masieri

O palácio que abriga a Fundação Angelo Masieri, arquiteto italiano que dividiu alguns projetos com Carlo Scarpa, deveria ser a casa onde ele moraria com sua família. O projeto de revitalização do espaço foi entregue a Frank Lloyd Wright, a maior referência para Masieri. Em 1952, Masieri faz uma viagem aos Estados Unidos para encontrar Wright, mas acaba morrendo em um acidente automobilístico. Sua família resolve concretizar o projeto como um memorial dedicado a Masieri, mas o projeto de Frank Lloyd Wright não é aprovado pela prefeitura de Veneza, por comportar mudanças significativas na paisagem urbanística.

Assim, em 1968, Carlo Scarpa assume o projeto e desenha novamente a parte interna do palácio, mantendo a fachada original e envia três propostas para a prefeitura, que aprova uma delas. Em 1983, a obra fica completa. Hoje a Fundação Masieri é um importante centro de documentação e pesquisa sobre a arquitetura contemporânea, principalmente da cidade de Veneza.

Fundação Querini Stampalia

Fonte: Fundação Querini Stampalia

Entre 1959 e 1963, Carlo Scarpa desenha um novo projeto para o andar térreo do palácio veneziano que abriga a Fundação Querini Stampalia, complexo que inclui uma biblioteca, um centro de estudos e salas expositivas com o acervo de obras de arte que pertencia à família proprietária. A Querini Stampalia fica em um palácio histórico de Veneza. Scarpa faz mudanças radicais no espaço, removendo elementos do restauro dos anos 1800 e recuperando parte do que restou da época dos anos 1500. Ele usa madeira, ferro, mármore, pedra de Istria e concreto para criar um espaço completamente harmônico ao contexto urbano de Veneza.

Na fechada do palácio, onde existia uma janela, Scarpa projetou uma nova entrada, com uma ponte  de madeira e ferro que atravessa o pequeno canal até o campo. Uma das ideias era também administrar a questão da maré alta, muito presente em Veneza, mas sem ter de criar barreiras, realizando vãos e degraus. O jardim da Fundação usa exatamente a água como elemento decorativo com um espelho d’água e um labirinto esculpido.

Museu Gypsotheca Antonio Canova – Possagno (Treviso)

O Museu Gypsotheca Antonio Canova reúne em Possagno, na província de Treviso, cidade natal do escultor, um grande acervo de esculturas em gesso. Carlo Scarpa projetou uma ala, hoje conhecida como Ala Scarpa, para abrigar algumas das obras mais importantes de Canova. A disposição das salas e a iluminação foram projetadas cuidadosamente para realçar as esculturas e criar uma atmosfera apropriada para a apreciação das obras.

Scarpa desenhou uma sala com planta quadrada que originalmente deveria conter a grande escultura de Teseu que luta com o centauro e posicionou em uma área rebaixada o grupo de escultura das Três Graças. Aos pés da escultura, desenhou um espelho d’água, elemento muito presente em seus projetos. Mas são as soluções de iluminação a tornar a Ala Scarpa uma das obras mais importantes de Scarpa. O arquiteto elaborou aberturas angulares por onde entra a luz natural e as paredes de vidro proporcionam uma bonita integração com a paisagem externa. A obra foi inaugurada em 1957, mas continuou nos anos seguintes com novas intervenções.

Tomba Brion – Altivole (Treviso)

No meio de uma cidadezinha do campo, afastada de qualquer elemento minimamente urbano está a Tomba Brion, um dos últimos projetos de Scarpa. A obra foi encomendada por Onorina Brion, viúva de um grande industrial Giuseppe Brion, proprietário da empresa Brionvega, famosa no mundo do design por projetar aparelhos radiofônicos e televisivos nos anos 60 e 70. Brion era originário da cidadezinha de Altivole, na província de Treviso e a esposa quis homenageá-lo com um monumento fúnebre adjacente ao cemitério da cidade.

Carlo Scarpa projetou um espaço contrastante em cimento armado alternando-o com espelhos d’água e lagos artificiais inspirados na filosofia zen. A estrutura cinza e maciça é decorada com elementos em bronze e vidro de Murano, uma marca na sua vida profissional. O passeio pela Tomba Brion é um convite à meditação e à contemplação em um espaço que pode ser apreciado para quem admira o papel da arquitetura em emocionar o homem. Leia mais sobre a Tomba Brion.

Museu Castelvecchio – Verona

Fonte: Beni culturali online

Foi a experiência no campo expositivo que fez com que Carlo Scarpa fosse escolhido para trabalhar no projeto de renovação do museu mais importante de Verona, o Museu de Castelvecchio. O restauro do castelo foi iniciado em 1958 e Scarpa propôs a demolição de alguns pontos para que se pudesse realçar as partes originais através de janelas abertas no piso ou recortes que possibilitavam a leitura das estratificações do monumento.

O arquiteto desenvolveu um sistema expositivo muito essencial capaz de fazer uma ligação coerente e harmônica entre as obras. É muito interessante como o projeto de Carlo Scarpa acaba por se tornar parte do acervo do museu. Saiba o que fazer em Verona em um dia.